O trabalho dignifica o ser humano
“O trabalho dignifica o homem”, frase dita por Benjamin Franklin (1706-1790), ecoa através dos séculos como uma verdade suprema. A teologia reformada destaca que trabalho é a oportunidade que Deus concede ao homem de glorificá-lo pela vocação que ele lhe confere.
Mas, afinal o que é trabalho? Para alguns o trabalho pode ser definido como o esforço físico ou intelectual, com vistas a um determinado fim. O verbo “trabalhar” é proveniente do latim vulgar tripaliar: torturar com o tripalium. Este é derivado de tripalis, cujo nome é proveniente da sua própria constituição gramatical: tres & palus (pau, madeira, lenho, estaca), que significava o instrumento de tortura de três paus e que também servia para “ferrar os animais rebeldes”.
É interessante destacar que na idade média, o trabalho era visto como maldição, como um castigo dado por Deus ao pecado do homem. Com base nesse pensamento, era também ensinado que cada um deveria “conservar-se na condição em que nasceu” ou seja, o homem deveria contentar-se com sua situação social, pois isso teria sido algo proposto por Deus para a grande massa populacional que vivia em condição de pobreza, um pensamento que se aproxima da cosmovisão indiana de castas.
Embora, essa interpretação medieval encontre sua base seguindo a linha bíblica. Le Goff, por exemplo, nos chama a atenção para uma conexão interessante: a condenação de Adão – que após a queda obteria o alimento em “fadigas” – e Eva – que daria à luz em meio de dores. Logo, “a origem etimológica da palavra ‘trabalho’ aparece com um sentido particular na locução ‘sala de trabalho’, designando ainda hoje a sala de parto em uma maternidade”.
Talvez seja por essa razão que o trabalho não poderia constituir uma possibilidade de mudança de condição social, mas deveria apenas suprir as necessidades diárias, de forma a prover a subsistência.
O fato é que a igreja romana ensinava que “a renúncia do monge é o ideal a que toda a sociedade deve aspirar. Procurar riqueza é cair no pecado da avareza. A pobreza é de origem divina e de ordem providencial”.
Era ensinado que seria nobre se contentar com essa situação, pois seria bem-visto aos olhos de Deus.
Ora, para que essa visão distorcida do trabalho fosse corrigida, a Reforma foi deveras importante. A reforma resgatou o conceito cristão de trabalho, e também “pode-se [...] dizer, com toda justiça, que John Calvino (1509-1564) conferiu ao trabalho sua dignidade”, tanto Calvino como Lutero, entenderam que o trabalho nos é dado por Deus, como uma vocação a ser realizada e assim se torna benção em nossas vidas. Na ética do trabalho, Lutero (1483-1546) e Calvino (1509- 1564) estavam acordes quanto à responsabilidade do homem de cumprir a sua vocação através do trabalho. Calvino diz: “se seguirmos fielmente nosso chamamento divino, receberemos o consolo de saber que não há trabalho insignificante ou nojento que não seja verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus”. Assim, Calvino mostra, em sua teologia, que não existe trabalho desprezível ou insignificante diante de deus e que o homem, ao exercer sua vocação, seja ela qual for, deve crer que Deus a tem como algo valoroso e que aquilo que antes era considerado maldição agora se tornava benção na vida das pessoas e, inversamente, o que a igreja romana considerava benção se tornava, ou, melhor dizendo, sempre seria uma maldição.
“A benção do Senhor”, escreve Calvino, “está nas mãos daquele que trabalha”. É certo que a preguiça e a ociosidade são malditas por Deus. Da mesma forma que Calvino condena a ociosidade, ele condena o desemprego. Para Calvino “o desemprego é um flagelo social que deve ser combatido e denunciado com extremo vigor. Isso porque privar um homem de seu trabalho é crime: equivale a tirar-lhe a vida”.
Que sejamos gratos pelas oportunidades que o Senhor tem nos dado para nos abençoar através do trabalho e jamais esqueçamos quem nos sustenta é Deus.
“Vês a um homem perito na sua obra? Perante reis será posto; não entre a plebe”, (Pv 22.29).
Por Pr Paulo Mazarem
Foto: Rutgers University
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